Artigo: Aposentados e Perigosos
Ao que tudo indica, os assessores e/ou o próprio Presidente da República são fãs da trilogia hollywoodiana R.E.D – Retired Extremely Dangerous (aposentados extremamente perigosos – tradução literal) ou Aposentados e Perigosos!
Às vésperas das comemorações das festas de natal e réveillon, o Presidente da República editou a Medida Provisória – MP n o 755, de 19 de dezembro de 2016 que, segundo consta na exposição de motivos elaborada pelos Ministros da Justiça e do Planejamento, Alexandre de Moraes e Dyogo Henrique, serviria para alterar a Lei Complementar nº 79, de 07 de janeiro de 1994, para dispor sobre a transferência direta de recursos financeiros do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen aos fundos dos Estados e do Distrito Federal.
Ocorre que, mesmo não havendo qualquer justificativa (de urgência e relevância – requisitos que autorizam a edição de Medida Provisória) ou até mesmo referência na mencionada exposição de motivos alusivas à Lei n o 11.473, de 10 de maio de 2007, que dispõe sobre cooperação federativa no âmbito da segurança pública e revoga a Lei no 10.277, de 10 de setembro de 2001 – Lei da Força Nacional de Segurança Pública), a MP altera diversos dispositivos desta lei (Lei n o 1.473/07).
De acordo com a redação trazida pela MP, a União poderá recrutar para a Força Nacional de Segurança Pública militares e policiais da União, dos Estados e do Distrito Federal que tenham passado para a inatividade há menos de cinco anos, inclusive os militares da União que tenham prestado serviços em caráter temporário e servidores civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios aposentados há menos de cinco anos, para fins de atividades de apoio administrativo à Força Nacional de Segurança Pública.
A inclusão de dispositivos em textos legais que não possuem pertinência com a matéria, denominada de contrabando legislativo, caldas legais ou rabos da lei, apesar de comum no processo legislativo brasileiro, é rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, o contrabando legislativo é mais usual no âmbito das casas legislativas, quando parlamentares (individualmente ou em comissão) alteram o texto de um projeto ou de uma MP (por meio de Emenda Parlamentar) para incluir dispositivos estranhos a matéria.
Neste caso, o contrabando legislativo é originário, pois o próprio Presidente da República, com a finalidade de afastar a discussão e deliberação da matéria nas comissões temáticas e a realização de audiências públicas (o rito do processo legislativo das MP’s não comporta), inseriu dispositivos que altera o programa Força Nacional de Segurança Pública na MP que trata (ou deveria) de alterações no Fundo Penitenciário Nacional. Como as Medidas Provisórias entram em vigor, ainda que temporariamente, logo após a sua publicação, o Diretor da Força Nacional de Segurança Pública (recentemente nomeado por Alexandre de Moraes), fez publicar, no último dia 12, editais de processo seletivo para recrutamento de: Militares estaduais inativos; Policiais Civis aposentados da União, Estados e do Distrito Federal; Servidores Civis aposentados da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e, Militares da União que prestaram serviços temporários.
Sobre a Força Nacional de Segurança Pública
Inicialmente, para melhor compreensão do programa Força Nacional de Segurança Pública, faz-se necessária uma abordagem sobre o histórico da legislação que criou e que regulamenta o seu funcionamento.
Sendo assim, pode-se afirmar que o embrião deste programa é a Medida Provisória – MPv n o 2.205, de 10 de agosto de 2001, editada pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, com a finalidade de instituir medidas para assegurar o funcionamento de serviços e atividades imprescindíveis à segurança pública, a qual, logo em seguida, sem emendas, foi convertida na Lei 10.277, de 10 de setembro de 2001. Observa-se que, naquela época, de acordo com o artigo 1o , da Lei 10.277, de 10 de setembro de 2001, houve a autorização para que a União firmasse convênio com os Estados Membros para que estes, “em caráter emergencial e provisório”, utilizassem “servidores públicos federais, ocupantes de cargos congêneres e de formação técnica compatível, para execução de atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
De igual modo, autorizou-se, naquela ocasião, aos Estados e ao Distrito Federal, por intermédio dos respectivos Governadores, a firmarem convênios com outras unidades da federação com a finalidade prevista no mesmo dispositivo legal.
Prestes a completar o segundo ano do primeiro mandato, o Então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva editou o Decreto no 5.289, de 29 de novembro de 2004, que disciplina a organização e o funcionamento da administração pública federal, para desenvolvimento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública, e dá outras providências.
Em 2007, já no segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi editada a MPv no 345, de 14 de janeiro de 2007, dispondo sobre a cooperação federativa no âmbito da segurança pública e revogando a Lei no 10.277. Esta MPv foi convertida na Lei n o 11.473, de 10 de maio de 2007. De acordo com a redação original do artigo 1o , da Lei 11.473, de 10 de maio de 2007, a cooperação federativa deveria consistir em operações conjuntas, transferências de recursos e desenvolvimento de atividades de capacitação e qualificação de profissionais, no âmbito da Força Nacional de Segurança Pública.
Outra inovação introduzida pela MPv 345 e mantida pela na Lei 11.473, diz a respeito do pagamento de diária aos servidores civis e militares dos Estados e do Distrito Federal que participarem de atividades desenvolvidas no programa Força Nacional de Segurança Pública a ser paga na forma prevista no art. 4o da Lei no 8.162, de 8 de janeiro de 1991, com recursos provenientes do Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP, criado pela MPv no 2.120-9, de 26 de janeiro de 2001, que sofreu 9 (nove) alterações antes de ser convertida na Lei no 10.201.
Recentemente, a Lei 11.473, de 10 de maio de 2007, foi alterada pela Lei n o 13.173, de 2015 – conversão da MPv n o 679, de 2015 (cria a Secretaria Extraordinária para Grandes Eventos) e pela MPv no 737, de 6 de julho de 2016 (permite a participação no programa Força Nacional de Segurança Pública de militares dos Estados e do Distrito Federal que tenham passado para a inatividade há menos de cinco anos).
É possível verificar na Exposição de Motivos Interministerial (dos Ministério da Justiça e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) da MPv no 345, de 12 de janeiro de 2007, que o governo federal pretendia, precipuamente, “disponibilizar os instrumentos necessários ao pleno funcionamento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional de Segurança Pública”, cuja existência de “graves perturbações da ordem pública em diversos pontos do território nacional” justificariam a urgência e relevância (requisitos para edição de MPv) da matéria.
Entretanto, percebe-se que a partir do Decreto no 5.289/2004, deu-se início a uma inversão silenciosa e paulatina no programa de cooperação criado com a finalidade de a União auxiliar, em caráter emergencial e provisório, os Estados e o Distrito Federal, podendo aquela inclusive ceder servidores do quadro federal (artigo 1o , da Lei 10.277) a estes.
Na verdade, sabia-se, desde o início, que a União, ao menos em relação aos servidores federais da área de segurança pública, jamais teve contingente suficiente para atender as próprias demandas, menos ainda para cedê-los aos Estados e/ou ao Distrito Federal.
Com efeito, o efetivo do programa Força Nacional de Segurança Pública, incialmente incumbido de atuar apenas nas “atividades de policiamento ostensivo destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” passou a ser integrado (quase que com exclusividade) por servidores dos entes federados que aderissem ao programa de cooperação federativa (policiais militares dos Estados e do Distrito Federal), os quais seriam contemplados com o pagamento de diárias.
Porém, com a autorização do pagamento de diárias aos servidores “mobilizados” pelo programa e, considerando que os Estados pagavam (e ainda pagam) péssimos salários a seus Policiais, deu-se início a uma verdadeira disputa (no âmbito de cada corporação que aderiu ao programa) por uma vaga no programa Força Nacional, haja vista que, em alguns casos, somente o valor mensal recebido a título de diárias ultrapassava em até quatro meses de salários do servidor mobilizado. O pagamento das diárias logo despertou o interesse dos Policiais Civis em participar do programa o que, possivelmente, levou a Presidência da República a editar o Decreto n o 7.318/10, alterando o Decreto no 5.289/04 para permitir a atuação da Força Nacional de Segurança Pública também na apuração de infrações penais, incluindo a perícia criminal.
Brasília – DF, 15 de janeiro de 2017.
Leandro Barbosa de Almeida. Policial Civil no Estado de Roraima. Diretor Jurídico para Assuntos Constitucionais da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis – COBRAPOL. Bacharel em Direito e Especialista em Direito Processual Civil.